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Os limites do crédito de carbono ao agro

O Rio Grande do Sul naufragou em chuvas em maio de 2024, enquanto a Amazônia vive uma crise hídrica que se estende para 2025. Um cenário de extremos climáticos que vem caracterizando o Brasil. Na direção de uma relação mais equilibrada entre o desenvolvimento econômico e os compromissos ambientais globais, o país deu um passo a mais com a Lei 15.042/24. Sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 11 de dezembro, a nova legislação regulamenta o mercado de carbono, transformando emissões e retenções de gases poluentes em ativos financeiros. Mas não contempla completamente toda a cadeia produtiva, deixando de fora a atividade primária.

A Lei 15.042/24 instituiu o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE). Na prática, estabelece as diretrizes de como a economia começa a interagir com a natureza, regulando os seus impactos ambientais. Sua formulação é uma repercussão inicial do Protocolo de Kyoto, assinado em 1997, que apresentou ao mundo o conceito de comércio de crédito de carbono, e do Acordo de Paris, de 2015.

O professor da Escola de Economia de São Paulo, vinculada à Fundação Getulio Vargas (FGV), Daniel Vargas, explica que o mercado de carbono mundial “nasceu” para cumprir um propósito de acelerar e tornar mais efetiva uma política climática para o planeta. Segundo ele, a lei nacional tem um escopo abrangente de todos os tipos de gases e instalações industriais em todos os setores. A exceção é a atividade primária do uso da terra. Isso significa que a agroindústria está obrigada a cumprir as regras das emissões de carbono, mas o produtor que está na fazenda não.

Daniel Vargas exemplifica que em torno de 50% das emissões nacionais de gases de efeito estufa estão associadas ao desmatamento, outros 25% devem-se ao uso produtivo da terra – agricultura e pecuária dentro das metodologias e métricas que prevalecem atualmente – e os demais 25% estão distribuídos entre os demais setores da economia produtiva brasileira. Por conta desse cenário, o professor complementa que a expectativa é que a legislação sancionada não alcance mais do que 10% a 15% das emissões brasileiras associadas ao setor industrial. O regramento inclui as instalações que emitem acima de 10 mil toneladas de CO2 por ano ou equivalente; ou 25 mil toneladas de CO2 por ano ou equivalente.

Conforme Daniel Vargas, que também é doutor em Direito pela universidade de Harvard, acima de 10 mil toneladas começa um conjunto de obrigações de prestação contínuas de informações ao órgão regulador. Superior a 25 mil toneladas poderão ser estabelecidas metas ou obrigações de redução de emissão. Ele ainda compara o texto da lei nacional com os de outros países, como o praticado na Califórnia, nos Estados Unidos. Lá, a legislação cobre entre 3 e 4/5 das emissões. Na Europa, cobre quase 50%.Apesar do contraste com o Brasil, Daniel Vargas afirma que a regulamentação nacional é um ponto de partida importante para se estabelecer e representar o compromisso e esforço na redução das emissões do setor industrial e que a atividade primária é parte central da descarbonização da economia brasileira. “Deve dar sua contribuição, contudo, não exatamente como um dos setores regulados e sim como um setor incentivado”, defende.

Daniel Vargas explica que o debate na indústria é se vai emitir mais ou menos gases efeito estufa. “Na agricultura ou pecuária é o quanto ela será capaz de converter, via fotossíntese, ‘fumaça’ do ar em alimento, energia e fibras para nosso uso. Para isso, o setor primário tem de ser estimulado, em vez de restringido”, argumenta. “Não há hoje um único mercado de carbono regulado no planeta que inclua a agropecuária como setor obrigatório. Em parte, a justificativa é a limitação das metodologias científicas. Dez consultores visitam dez fazendas e chegam a dez resultados diferentes sobre as emissões da produção”, observa. Em parte, diz o professor, tal comportamento se deve ao fato de nenhum país querer fragilizar seu produtor local na competição internacional.

Por fim, Vargas aponta a própria natureza da atividade primária. Para ele, deve prevalecer a percepção no mundo de que ela funciona melhor em regime de mercado, com preços definidos pela competição, sem o controle da burocracia estatal. “É diferente no setor de energia, onde os mercados de carbono tipicamente operam. Energia é serviço público. Neste campo, não se costuma dar um passo sem a mediação do estado, a começar pelas tarifas. Agricultura e pecuária, por sua vez, são livres para empreender, tomar risco e se proteger. Tudo isso significa que a melhor forma de contribuir com a descarbonização do país e com o mercado de carbono é pela via do ‘crédito’ e não da ‘dívida’ que a regulação impõe”, conclui.


Cinco fases do SBCE


Fase 1: 12 a 24 meses: Criação do órgão gestor e definição dos setores que serão regulados, os detalhes operacionais e as bases jurídicas;Fase 2: 12 meses: Operacionalização do sistema de Monitoramento, Relato e Verificação (MRV). As empresas terão de reportar suas emissões de forma padronizada, criando uma base de dados para fiscalização;Fase 3: 24 meses: Início da obrigação de apresentar relatórios de emissões e planos de monitoramento, o que fornecerá os dados necessários para o primeiro Plano Nacional de Alocação (PNA);Fase 4: Início do primeiro ciclo de alocação de Cota Brasileira de Emissões (CBEs) e operacionalização dos primeiros leilões. Publicação do PNA, que definirá as regras de distribuição de cotas e o volume inicial disponível para o mercado;Fase 5: Implementação plena do mercado, com o primeiro leilão de CBEs e o início do mercado secundário, que permitirá negociações entre empresas.

Fonte: Agência Gov


Campo está fora mas não está excluído

Rio Grande do Sul, 03 de abril de 2019. No 3º dia a comitiva do AgroBrazil visita o processo de empacotamento de arroz no Engenho Coradini e a vinícola Guatambu em Dom Pedrito. Foto:| Foto: Wenderson Araujo / Trilux / CNA / CP


Especialista em Direito Ambiental afirma que Lei 15.042 autoriza a geração de créditos de carbono a partir da conservação de áreas de APP e Reserva Legal pelo agricultor, permitindo um “mercado voluntário”


A advogada sênior da área de direito ambiental do escritório Mello Torres, Victoria Elimelek de Weber, analisa a Lei 15.042, sancionada em dezembro passado, e destaca que a legislação permite e incentiva a existência do mercado de carbono voluntário (onde atuaria o agro) paralelamente ao sistema regulado.

Para isso, diz Victoria, é preciso cumprir com as metodologias estabelecidas pela regulamentação. “O artigo 46 da lei estabelece que créditos de carbono podem ser gerados a partir da conservação e preservação de Áreas de Preservação Permanente (APP) e Reserva Legal. Tal regulação é extraordinária, considerando que a preservação dessas áreas protegidas já constitui obrigação imposta pelo Código Florestal Brasileiro. Entretanto, é comum que essas áreas ocupem uma parcela significativa das propriedades rurais, o que pode gerar desafios econômicos aos proprietários”, pontua.

De acordo com a especialista, os créditos de carbono poderão ser comercializados como ativos financeiros, impactando diretamente nos contratos de venda de produtos ou mesmo arrendamentos de terras. “Os contratos poderão incluir disposições específicas sobre a titularidade dos créditos de carbono, compartilhamento de receitas e responsabilidades por práticas sustentáveis. Práticas como Integração Lavoura Pecuária Floresta (ILPF), plantio direto e reflorestamento poderão ser monetizadas através do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE)”, observa.

Entretanto, Victoria alerta que há uma necessidade significativa de atos infralegais – normas que estão em posição inferior à lei na hierarquia jurídica – para que as disposições da nova legislação sejam plenamente aplicáveis e possam ser utilizadas pelos produtores. “Esses atos são essenciais para detalhar e operacionalizar as regras gerais previstas na lei, incluindo aspectos como metodologias de cálculo de emissões, critérios para geração de créditos de carbono, mecanismos de monitoramento e reporte”, detalha.

A advogada complementa lembrando que a lei não prevê mudanças diretas e imediatas nos processos de exportação de commodities agrícolas. Contudo, os impactos indiretos podem ser expressivos, especialmente diante das tendências globais e das crescentes exigências dos mercados internacionais por maior sustentabilidade. “Um exemplo relevante é a publicação do Regulamento da União Europeia para Produtos Livres de Desmatamento, que entrará em vigor no final de 2025. Esse regulamento proíbe a importação, por companhias europeias, de produtos associados ao desmatamento, exigindo a realização de rigorosas diligências prévias nas propriedades agrícolas de origem”, destacou.


Projeto inovador para a erva-mate em 2026

Em parceria com outras instituições, a Secretaria de Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação fará um diagnóstico do cultivo no Estado ao longo deste ano para analisar o potencial da planta de gerar créditos de carbono

Pesquisa, Seapi, da cultura da erva-mate no Vale do Taquari, no Rio Grande do Sul| Foto: Fernando Dias / Seapi / Especial / CP


No Rio Grande do Sul, a erva-mate, que já é protagonista na cultura gaúcha pelo hábito do chimarrão, pode ampliar seu escopo econômico. De acordo com o coordenador do Plano ABC+RS na Secretaria de Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi), Jackson Brilhante, a planta nativa tem potencial para gerar créditos de carbono. “A ideia é fazer um diagnóstico em 2025 para efetivamente conseguir ter o projeto em 2026”, adianta. Brilhante esclarece que a iniciativa envolve, além dos produtores da folha no Estado, parceria com a Fundação Solidaridad e a Livelihoods Funds, instituição sediada na França.

Conforme o coordenador, a proposta é atuar, por exemplo, em áreas degradadas que seriam convertidas para a produção de erva-mate. Os terrenos escolhidos seriam cultivados com a adoção de tecnologias de baixa emissão de carbono, gerando créditos para o mercado regulado e voluntário. “Os produtores serão incentivados a aplicar essas boas práticas, que vão desde o uso de bioinsumos, inclusão de árvores nativas e alguns ervais para que gere essa adicionalidade e efeito benéfico”, detalhou. A iniciativa foi discutida inicialmente em uma reunião realizada em meados de dezembro do ano passado, quando os planos foram apresentados para a Câmara Setorial da Erva-mate.

A Fundação Solidaridad conta com dois polos ervateiros gaúchos com unidades de estudo da Carbon Matte, ferramenta desenvolvida pela entidade e pela Embrapa Florestas, localizada no município de Colombo, no Paraná. O sistema tem por objetivo medir os estoques de carbono e as emissões de gases do efeito estufa nesta cultura. Com a nova proposta, a fundação divulgou que tem a meta de ampliar mais 10 mil hectares de cultivo de erva-mate.

De acordo com Brilhante, trata-se de um projeto muito importante do ponto de vista de mitigação dos efeitos dos gases estufa no Rio Grande do Sul. “Vai auxiliar no atingimento das metas de uma tecnologia chamada sistemas agroflorestais, tem um efeito positivo na cadeia do setor com produtos de baixa emissão ou negativa de carbono, agregando mais valor comercial e para o produtor”, evidenciou.

Os três polos prioritários para a iniciativa no Rio Grande do Sul previstos para as regiões do Alto Uruguai, Missões Celeiro e Nordeste. Brilhante ressalta ainda que a Fundação Solidaridad soma experiência também na cadeia da erva-mate no Paraná, com conhecimentos em relação às medições de emissão de gases efeito estufa. “A erva-mate é uma cultura exportada para diversos países do continente europeu e temos alguns projetos pioneiros na quantificação do carbono de solo para o setor ervateiro em diferentes sistemas de produção”, completou o coordenador.


Sistema é estudado nos ervais do Alto Taquari

O pesquisador do Departamento de Diagnóstico e Pesquisa Agropecuária da Secretaria de Agricultura, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi), Luciano Kayser Vargas, garante que há resultados científicos mostrando que a erva-mate é uma cultura que pode gerar créditos de carbono. “Há resultados que mostram esse potencial. Em um artigo recente, foi avaliada a pegada de carbono de toda a cadeia da erva-mate produzida na província argentina Misiones e transportada até a capital, Buenos Aires. Os autores concluíram que a maior parte das emissões são nas fases de secagem e de transporte. A cultura não tem impacto negativo em termos de emissões”, explica.

Conforme Kayser Vargas, o Rio Grande do Sul ainda não tem dados para definir a magnitude desses processos em seus ervais. “Temos que usar dados de outros locais, com clima e solo diversos. Hoje, se usa uma calculadora de carbono da Embrapa, com dados gerados no estado do Paraná. Nossos dados devem dar uma ideia mais exata do que acontece no Rio Grande do Sul”, complementa.O pesquisador estuda a erva-mate desde 2019. “É uma cadeia carente de pesquisa e desenvolvimento tecnológico. Em anos anteriores, fizemos um diagnóstico das condições de fertilidade dos solos em que a erva-mate é produzida e avaliamos as condições nutricionais das plantas”, recorda. Segundo ele, a partir da avaliação nutricional, são definidas as chamadas faixas de suficiência para a cultura, informação que até então não existia.

Atualmente, revela Luciano, está em andamento uma pesquisa sobre o estoque de carbono e dos fluxos de gases de efeito estufa em sistemas de cultivo de erva-mate no polo ervateiro do Alto Taquari. “Estamos fazendo avaliações mensais, que foram interrompidas no período da enchente e retomadas em agosto. As análises devem seguir até agosto de 2025”, prevê. Os pesquisadores estão avaliando uma área com sistema de cultivo pleno sol (monocultivo) e outra com sistema sombreado (erva-mate cultivada em meio a araucárias), usando a mata nativa como área de referência.

Kayser Vargas antecipa que o próximo passo da pesquisa será a determinação do estoque de carbono nos solos. “As amostras já foram coletadas, falta a análise química. Depois devemos avaliar o carbono em outros componentes dos sistemas, incluindo os seus estoques na madeira e na serapilheira, para podermos fazer um balanço completo envolvendo solo, plantas, resíduos vegetais e atmosfera”, finaliza.




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